segunda-feira, 11 de abril de 2011

Big riders vão em busca de mais segurança


Há uma semana, Carlos Burle, 43 anos, foi varrido por uma onda quando surfava em Pe'ahi, pico havaiano mais conhecido como Jaws. Mesmo debaixo da espuma e engolindo água, estava consciente. Sabia que, se não respirasse nos próximos dez segundos, ficaria por ali mesmo.
- Voltei na última hora, azul. Ninguém está imune.
Dias depois, o havaiano Sion Milosky passou por situação parecida, mas não conseguiu voltar. Morreu em Mavericks, na Califórnia, depois de pegar as seis melhores da tarde. A notícia da morte doeu como uma onda na cabeça e fez com que os big riders ligassem o sinal de alerta.
Surfe de ondas grandes Carlos Burle Jaws (Foto: Divulgação)Carlos Burle em uma das ondas de Jaws, há uma semana (Foto: Divulgação)
Todos têm noção do perigo que correm toda vez que largam suas casas e vão atrás de grandes ondulações. Burle, sua parceira, Maya Gabeira, e Eraldo Gueiros comparam o surfe de ondas gigantes à Fórmula 1, categoria em que a tecnologia tenta diminuir o risco de morte. No mar, depois da tragédia em Mavs, as remadas aceleram ainda mais nessa direção. Roupas infláveis e equipes de resgate viraram palavras-chaves.
Shane Dorian com colete inflável em Jaws (Foto: LemosImage.com)Shane Dorian e sua roupa inflável, em Jaws
(Foto: Bruno Lemos/  Waves.com.br)
Boa parte dos surfistas acredita que, se houvesse mais jet-skis de socorro naquela tarde em Mavs, a morte de Sion poderia, sim, ter sido evitada. Em janeiro, no mesmo pico, o americano Jacob Trette foi levado ainda com vida a um hospital. Chegou a entrar em coma, mas se recuperou.
O havaiano Mark Foo, considerado um dos maiores mestre das ondas gigantes, não teve a mesma sorte. Em 1994, ele desapareceu depois de enfrentar um paredão em Mavericks. Naquela época, a preocupação com a segurança era pouca, quase inexistente.
- A gente tem a F-1 como exemplo. Morria muito mais gente nas pistas antigamente. Mas foram desenvolvendo carros mais seguros, macacões, novas técnicas de resgate - diz o pernambucano Burle.
No tow-in, os perigos são bem menores do que no surfe de remada. Ao entrar na onda em alta velocidade, rebocado por jet-ski, o surfista tem menos risco de ser engolido pela espuma e, caso seja, é rapidamente resgatado pelo parceiro. Além disso, por não precisar remar, pode usar dois coletes salva-vidas.
Surfe de ondas grandes Eraldo Gueiros Mavericks (Foto: divulgação)Eraldo em onda gigante de Mavericks, onde o
havaiano Sion morreu (Foto: divulgação)
O problema é que, para desafiar cada vez mais os limites, os big riders têm deixado o jet na areia. E nem sempre é possível controlar a ansiedade diante de uma grande ondulação.


- Não existe evolução no esporte sem se arriscar. Todo mundo quer tentar manobras mais radicais, ficar mais tempo dentro do tubo. Quem tem mais agilidade e coragem se destaca. Recebemos muita descarga de adrenalina. Se o surfista não consegue racionalizar, fica à mercê das emoções e põe a vida em risco - conta Burle.
Burle e Eraldo ajudam a desenvolver novos equipamentos de segurançaEraldo Gueiros foi um dos primeiros surfistas a entrar na onda da segurança. Desde suas primeiras sessões de surfe em Jaws, passou a trabalhar no desenvolvimento de coletes mais finos. Para não atrapalhar a remada, a roupa de borracha não pode ter muita textura no peito, por exemplo. Nas costas, pernas e braços, justamente o contrário. Essas áreas são as mais atingidas nas quedas.
Eraldo Gueiros e colete de tow-in (Foto: Divulgação)Eraldo com o colete especialmente desenvolvido
para o tow-in (Foto: Divulgação)
- O surfe ainda é desorganizado. Surfista quer ir no peito e na raça. Tem que partir para um lado mais profissional. Tem que ter equipamentos, como acontece na moto e F-1. Eles têm capacete, proteção no pescoço. Se você quer aumentar o tamanho da onda que pega, tem que aumentar a estrutura. O corpo humano não aguenta. Se pudessem criar uma armadura para proteger mais os membros, seria ótimo - disse Eraldo.
O objeto de desejo dos surfistas agora é uma roupa flutuante que conta com um tubo de gás para inflá-la. O havaiano Shane Dorian, mestre de ondas grandes, estava com uma dessas em Jaws, dividindo as séries com Burle. De volta ao Brasil, o pernambucano vai dar a sugestão à empresa que o patrocina.
Quem tem menos recursos é exposto a mais riscos "
Maya Gabeira
- É como se fosse um pino de emergência. Quando puxa o tubinho, a roupa infla. Aí a pessoa volta à superfície e consegue ser resgatada mais rapidamente - explica Burle.
Carlos Burle é um dos cinco atletas que ajudam a organizar o Circuito Mundial de ondas grandes. Lá, os atletas têm seguro saúde, de vida, contam com equipe de resgate à disposição e são obrigados a usar equipamento de segurança. Um primeiro passo para profissionalizar o esporte. A premiação por etapa é de US$ 50 mil (cerca de RS$ 80 mil).
- Quem tem menos recursos é exposto a mais riscos - diz Maya Gabeira, tetracampeã do Billabong XXL e uma das poucas surfistas que contam com apoio de peso de patrocinadores.


Apesar de toda a experiência no surfe ondas grandes, de ter visto conhecidos morrerem no mar, Burle arriscou surfar, naquela tarde em Jaws, sem a ajuda de uma equipe de resgate.
- A gente usou uma âncora para prender o jet-ski. Foi um dia complicado. Até demorei a contar o que realmente houve para minha esposa - disse o pai de Reno, de 1 ano.