terça-feira, 13 de abril de 2010

Dualidade


Surfar é uma experiência predominantemente individual e intimista!

Resveste-se essencialmente de uma dimensão pessoal. Partilhar é uma palavra que em primeira instância tem pouco significado no vocabulário do surfista. É uma palavra que dentro de água apenas é entendida na sua relação com o mundo etéreo a que chamamos Natureza... ou apenas Mar para alguns.

A Natureza, ou o Mar aos quais habitualmente não resistimos à tentação de lhes atribuir condição humana, é passivel de um acto de partilha. Facto este, que não deita por terra toda a dimensão pessoal do acto de surfar. Pelo contrário, reforça a ideia de uma actividade que de tão individual e solitária, mas que resulta de uma interacção entre uma das mais brutais e poderosas forças da natureza - o mar - tem a necessidade de ser contrabalançada nos seus medos e temores por uma entidade que reduza essa temivel força do oceano à simples condição de nós próprios - a condição humana.

Mas o surfista é egoista. Elimina qualquer gesto de partilha, que não seja entre si e o Mar. Torna-se ciumento na abordagem alheia às "suas" ondas. É como um instinto animal primitivo ainda reinante no intelecto humano e que facilmente descamba em violência, sendo o localismo um dos mais mediáticos resultados deste comportamento. É porém, uma notável reacção apaixonada, quente e irracional, produto de sentimentos, sensações e emoções muito próximas da paixão, do amor - alguém gosta de partilhar com outrém a volupia da sua mulher? - e que nos torna por isso também incrivelmente humanos, ao invés de estéreis e frios robots de carne e osso.

Ainda assim, o homem que corre ondas, é antes de mais um Homem... com todos os seus instindos e impulsos, mas também com toda a sua racionalidade, personalidade e moral. É nesta dualidade que se observa a beleza da vida, e em especial da vida do ser humano que corre ondas. O surfista, terá então, de observar a sua interacção com o mar, como uma pequena parte de um todo. Um cosmos infinitamente superior à condição humana, que se dispõe no universo de todas as concepções hedonisticas do ser humano, e dessa forma lhes permite a sua concretização material. O mar, esse cosmos infinitamente grande, é propriedade de ninguém e de todos, nas suas mais variadas noções de prazer fisico e espiritual representadas e materializadas pelo ser humano.

Desta forma, a personificação do mar transforma-se num mero capricho tão individualista como o próprio acto de surfar na mente consciente do surfista. Também o egoísmo com que este encara a partilha de sensações entre si e o mar deixa de fazer sentido... não só porque o mar pertence a todos e a ninguém, mas também porque no acto de surfar, acaba por não existir qualquer experiência de partilha, pois o mar não é pessoal nem tão pouco tem condição humana, não podendo por isso usufruir de qualquer sensação de troca com o próprio Homem.

Em suma, o surfista interage com o mar. Recebe sensações e emoções em troca de nada, porque o mar não precisa de nada do surfista. O mar sempre lá estará calmo e sereno umas vezes, revolto e temivel noutras, mas eterno e imutável aos olhos do Homem.
É assim uma interacção entre algo infinitamente pequeno e algo infinitamente grande, onde o ser humano funde a sua aura nas energias cósmicas do oceano, absorvendo o prazer e o bem estar que essa fusão de energias positivas proporciona no Homem. É na sua essência uma experiência pessoal e intransmissivel... mas na sua condição, passivel de partilha com outros. Ninguém partilha uma onda nem a sensação que esta lhe reserva, mas é de todo impossivel o usufruto exclusivo do oceano e todas as suas ondas, a partilha das energias do oceano com outros será sempre o antagonismo da solidão.

E no fundo, ninguém surfa sozinho por prazer (salvo condições muito especiais). Todos gostamos de estar acompanhados no mar. Todos gostamos de ver a nossa evolução aos olhos dos nossos companheiros de surfada, e das suas dicas. Todos vibramos com as suas ondas. E também eles vibram com as nossas, à medida que sorrimos por saber isso mesmo. Por vezes até partilhamos uma onda com os nossos amigos (muito raro!!!). Tudo se resume a uma cadeia de emoções que resultam numa permutação constante de energias positivas que une cada um ao seu semelhante.
Tornamo-nos claramente melhores surfistas, técnica e espiritualmente, quando surfamos acompanhados e interagimos dentro e fora de água com outros surfistas. É assim que o surf, através da sua dualidade harmoniosa entre o individualismo do acto versus a interactividade na condição de surfista, se torna na minha opinião, na mais bela e genuina forma de interacção com o que nos rodeia - especialmente com a hidrosfera e a bioesfera! É natural assim, que mais do que um desporto, o surf seja encarado como um verdadeiro lifestyle.

ALOHA!

BOAS ONDAS...

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